[Artigo publicado originalmente em 2021, no site da SIC Mulher, e adaptado em 2025 para o site do Fama Show]
Apesar de cada vez existir mais informação, continuam a haver muitos tabus relacionados com o cancro da mama. Para os desmistificar, falámos com especialistas daquela que é a doença oncológica mais comum nas mulheres em todo o mundo (em Portugal, cerca de 1% de todos os cancros da mama são no homem). No entanto, é preciso entender outros factores, nomeadamente os subtipos mais alarmantes.
"Falamos como se o cancro da mama fosse uma só doença, mas não é. Existem pelo menos três grandes tipos de cancro da mama que têm sobrevida e tratamentos diferentes", explica Fátima Cardoso, médica oncologista e diretora da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud. Eles são: Recetor Hormonal Positivo (é o mais frequente dos subtipos [cerca de 65% dos casos], também chamado cancro da mama hormono-dependente, tem receptores hormonais e é tratado especialmente com hormonoterapia, embora por vezes necessite também de quimioterapia), HER-2 + (é caracterizado pela presença do receptor HER-2, ocorre em cerca de 15 a 20% dos casos e é tratado com fármacos anti-HER-2 associados a quimioterapia ou hormonoterapia) e triplo negativo (não possui receptor HER-2 nem os dois receptores hormonais, pelo que se chama triplo negativo, ocorre em cerca de 15% dos casos e é tratado essencialmente com quimioterapia).
De acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, em Portugal, são detectados anualmente cerca de 9000 novos casos de cancro da mama e mais de 2000 mulheres morrem com esta doença. "Depende do estadio em que o tumor é diagnosticado, quanto mais precoce maior a probabilidade de cura. Nos casos avançados, também chamados metastáticos, a doença é incurável", acrescenta.
Avanços da medicina e medicamentos inovadores
Todos os anos se ouve falar em medicamentos inovadores no tratamento do cancro. Mas afinal o que isso significa? Fátima Cardoso explica que "são medicamentos que tentam dirigir-se mais às células malignas e menos às células normais para que haja menos efeitos secundários", mantendo a qualidade de vida.
A médica oncologista diz ainda que os tratamentos são essencialmente quimioterapia, mas em 2021 houve a aprovação nos EUA de um medicamento inovador para o cancro triplo negativo, sendo este o subtipo que tem menos tratamentos dirigidos. O medicamento em questão pertence à família “conjugado anticorpo + quimioterapia”. Em 2023, o Infarmed autorizou o uso de um medicamento inovador para cancro da mama triplo negativo.
Já em relação às medicinas complementares, isto é, o uso de outro tipo de medicina para complementar os habituais tratamentos contra o cancro, a especialista clarifica que na Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud não são contra, se forem discutidas com o oncologista. "Por exemplo, a acupuntura para as náuseas e vómitos ou para as dores articulares, está provado que faz bem e ajuda a recuperar determinados sintomas da doença e determinados efeitos secundários do tratamento", diz.
Factores de risco e cuidados
Questionada sobre a redução do risco de aparecimento da doença, Fátima Cardoso responde que não há grande coisa a fazer para o evitar. "O maior risco para o cancro da mama é ser mulher. Não podemos evitar ser mulher e envelhecer. À medida que envelhecemos, entramos na menopausa, aumentando o nosso risco de vir a ter cancro da mama. São dois factores que são inevitáveis", começa por explicar.
A médica chamou a atenção para o facto de existirem alguns tabus relacionados com a alimentação para evitar o aparecimento ou a recidiva da doença. "Nenhuma das teorias que se ouve falar como, por exemplo, não beber leite ou não comer açúcar, estão comprovadas", afirma. No entanto, existem alguns cuidados a ter, principalmente para que não se tenha uma recidiva. "O fumar, por exemplo, diminui a eficácia da quimioterapia e, portanto, as pessoas que já têm cancro, seja ele da mama ou outro, se puderem evitar fumar, os tratamentos vão ser mais eficazes. Depois há também a questão do exercício fisico e de evitar a obesidade. Há pessoas que são muito magras, fazem muito exercício, e têm na mesma cancro da mama, mas é um dos factores de risco", enumera.
"A mensagem em relação às mulheres é não deixar passar o tempo de fazer os exames de rastreio", sublinha, referindo que a partir dos 50 anos devem realizar uma mamografia anual (em alguns casos, a partir dos 40 anos). As mulheres que completam 45 anos em 2025 vão ser convocadas ao longo do ano para realizar mamografia em carrinhas de rastreio.
Fátima Cardoso conta ainda que também existe desconhecimento e preconceito em relação ao cancro da mama avançado (ou metastático). "Ainda existe muito tabu de falar de uma doença incurável. Essas pessoas [os doentes] sentem-se muitas vezes sozinhas, abandonadas, como se ninguém prestasse atenção às suas necessidades", diz, dando o exemplo da "necessidade que têm de continuar a trabalhar, mas precisam de flexibilidade".
A sexualidade e as relações amorosas
Outro tema tabu: a sexualidade. Patrícia Matos Martins, enfermeira no serviço de oncologia no Centro Hospitalar Barreiro Montijo e autora do livro 'Vou fazer quimioterapia. E agora?', acredita que "as alterações sexuais devem ser faladas e prevenidas ou tratadas como uma náusea, como um vómito, como uma diarreia, para normalizar a temática". "Pela minha experiência os doentes não colocam de imediato esta questão", afirma. No entanto, este assunto é sempre discutido na primeira consulta após o diagnóstico.
"As alterações sexuais são muito comuns, principalmente nos doentes que estão a fazer quimioterapia", explica, referindo que na mulher os sintomas são muito semelhantes aos da menopausa. Algumas das alterações: ondas de calor, secura vaginal, períodos menstruais irregulares ou ausentes, irritabilidade, aumento de secreção vaginal, prurido (comichão) vaginal, falta de interesse sexual, preocupação ou depressão por não ter relações sexuais e cansaço para ter relações sexuais.
Recordando algumas conversas com as suas pacientes, a enfermeira conta que há um maior à vontade para falar sobre o tema no fim dos tratamentos: "Dizem-me: 'Enquanto estive a fazer quimioterapia foi um descanso porque era desculpa para tudo'. Assim que a quimioterapia acaba, fazem os seis ciclos, que é o mais comum, e começam normalmente a dizer 'ando aqui com um problema, já não estou a fazer quimioterapia e já não sei o que é que hei-de dizer, mas não tenho vontade, não consigo, não tenho cabeça'", conta. E acrescenta: "Ainda são muitas as doentes que se queixam de falta de entendimento da parte do companheiro".
A atriz Sofia Ribeiro, que descobriu que tinha cancro da mama em 2015, falou-nos sobre como vê o impacto da doença nas relações amorosas. “Quando estava doente estava solteira, mas sei de muitos casos em que há homens que não conseguem viver com isso, por egoísmo ou por não saberem lidar e afastam-se”, conta.
“O cancro não alterou a minha confiança como mulher porque não é um foco, o foco é ficares bem, cuidares da tua saúde, passa tudo a ser secundário naquele momento. Obviamente quem tem filhos, tem marido, tem aí uma força extra, a meu ver, mas não é esse o foco para ficares bem e recuperares a tua vida, para poderes cuidar dos teus filhos, manter a tua relação", sublinha. E acrescenta: "Quero acreditar que as pessoas quando se amam e quando estão juntas é para a vida, na alegria e na tristeza, isso para mim nem é discutível. Um marido ou namorado que num momento tão difícil quanto este não é capaz de apoiar e ser um suporte emocional estável é de um egoísmo enorme, mas acontece muitas vezes”.
A enfermeira escreveu no seu livro algumas recomendações importantes para as mulheres gerirem mais facilmente as alterações na sexualidade, nomeadamente conversar abertamente com o médico, perguntando se haverá algum problema em ter relações sexuais durante o tratamento quimioterápico. É também muito importante não engravidar durante o tratamento, uma vez que pode afetar o desenvolvimento do feto, assim como usar roupas íntimas, de preferência de algodão, e não usar calças ou calções apertados.
O impacto da quimioterapia na fertilidade. É possível ter filhos após o tratamento?
Além das várias alterações sexuais mencionadas acima, a quimioterapia pode também levar a problemas de fertilidade. Alguns citotóxicos (medicamentos ou fármacos utilizados para parar a proliferação e crescimento de uma célula neoplásica) causam infertilidade, podendo esta ser temporária ou permanente, dependendo do medicamento ou idade do doente.
Assim como na mulher, o cancro da mama também pode comprometer a fertilidade do homem. "As alterações no feto são muito prevalentes. A parceira também não pode engravidar enquanto o homem estiver a fazer o tratamento", explica Patrícia Matos Martins.
"Nós pedimos muito para que haja conversas francas, honestas, com as parceiras ou parceiros, que venham às consultas, que falem connosco. São consultas, como é obvio, de porta fechada. Há sigilo profissional. Pode-se falar de tudo para darmos estratégias", acrescenta, referindo que a equipa multidisciplinar que está a acompanhar o doente também é formada por psicólogos e nutricionistas.
De que forma os doentes podem manter a sua função reprodutora? "Os homens podem realizar colheita de esperma para congelamento, se ainda quiserem ter filhos. (...) O congelamento dos óvulos pode ser uma opção para as mulheres", esclarece. Estes mecanismos de prevenção têm que ser realizados antes de começar a quimioterapia.
A enfermeira ainda deixa um conselho: "Integrar a doença na vida e não a vida no meio da doença, ou seja, não fazer da doença naquele momento a vida da pessoa. (...) Quando a vida passa ser só a doença, os tratamentos e o hospital, a pessoa deixa de ser a pessoa e passa a ser só o doente e é aqui que as coisas podem começar a ficar complicadas porque a pessoa perde o sentido da vida", diz, acrescentando que é muito importante que o profissional de saúde conheça muito bem o doente.
O caminho para a cura
O cancro da mama ocupa o segundo lugar, depois do cancro do pulmão, como causa de morte por cancro em Portugal. Mas porque é que é tão difícil haver uma cura para o cancro? "Temos que lembrar as pessoas que as células do tumor são nossas células, são células do nosso organismo que enlouqueceram, que ganharam a capacidade de crescer muito depressa, sem controlo, e de não morrer. Ganharam imortalidade, mas na verdade são nossas células. Não são, por exemplo, uma bactéria ou um vírus", explica a médica oncologista Fátima Cardoso.
"Para matar essas células, quase todos os tratamentos vão também afetar as células normais e as causas pelas quais desenvolvemos cancro, muitas delas, nós não conseguimos evitar: o ser mulher, pró-mama, o ser homem, pró-prostata, a poluição, o stress, tudo isso são causas que alteram as nossas células. Então vai ser muito difícil erradicar o cancro e encontrar uma forma de o curar completamente por serem células nossas", acrescenta.
"Para aqueles que são diagnosticados numa fase tardia, aquilo que eu gostava de ver na minha geração é transformar numa doença crónica, ou seja, que nós possamos tratar o cancro como tratamos a diabetes, por exemplo. As pessoas que têm diabetes tipo 1, que nascem já com problemas de diabetes, têm várias consequências ao longo da sua vida devido à doença, mas conseguem viver com ela, várias décadas. Neste momento, a sobrevida média do cancro da mama metastático são apenas três anos e eu gostava que se conseguisse transformar em três décadas. Duas ou três decadas. Aí já poderíamos considerar uma doença crónica. Curar, curar… ainda estamos um pouco longe", termina.