Nasceu há 50 anos em Luanda, mas veio para Portugal em 1975, quando ainda era pequena. Os pais divorciaram-se pouco depois de chegar a solo português e ficou sozinha com a mãe e o irmão, que ainda estava para nascer. Mais tarde, viu a progenitora juntar-se com outro homem, que durante alguns anos foi o seu padrasto, mas mesmo assim, viveu uma infância dura que a marcou para sempre.
E este sábado, 12 de outubro, relembrou esses momentos em Alta Definição. Numa conversa intimista com Daniel Oliveira, Marisa Cruz abriu o seu coração.
Dona de uma timidez própria, a atriz revelou, visivelmente emocionada, momentos duros que "nenhuma criança merece" pelos quais passou com os seus quatro (de sete) irmãos mais novos. A fome e as dificuldades eram uma constante, assim como a incógnita sobre onde estaria a mãe.
"Lembro-me de não ter o que lhes dar, nem que comer. Vivíamos o dia-a-dia, das ajudas dos vizinhos, das amigas... Era assim: todos nós já vivíamos com aquela realidade e já sabíamos que podia não haver e era só esperar até haver outro dia, até as coisas se resolverem, até aparecer alguma coisa", começou por explicar.
"Muitas vezes estava sozinha com eles e tinha de inventar o que ia fazer, às vezes era só massa com atum, às vezes eram só batatas cozidas, era o que havia... Muitas vezes estava sozinha com eles, faltava à escola, andava sempre a saltitar de um lado para o outro, mas vivíamos felizes nessa realidade", acrescentou Marisa Cruz.
Durante a entrevista, a também apresentadora - que se estreou na SIC em 2002 - confessou que chegou a ir para a cama, muitas vezes, com fome. Inclusivamente, para conseguir beber um mero chá adocicado, ia a cafés, com os irmãos, buscar pacotes de açúcar para ter em casa. "Não tinha a perspetiva de: 'Vou estudar para seguir isto'. Não, o meu sonho era viver o dia-a-dia (...) Não vivia infeliz, mas era sempre um desafio. Para mim a realidade era aquela", desabafou com Daniel Oliveira.
"Nenhuma criança merece isso e eu muito menos, que cuidava dos filhos deles"
Marisa Cruz contou ainda que a sua infância "sempre foi tentar sobreviver" e recordou um (outro) momento pelo qual passou. Durante uma discussão entre a mãe e o padrasto, soube que o seu pai já tinha morrido. "Estás aí a olhar o quê? O teu pai já morreu e tu nem sabes", relembrou, citando o ex-companheiro da mãe.
"Marcou-me bastante, desatei a correr a chorar (...) Nenhuma criança merece isso e eu muito menos, que cuidava dos filhos deles. Não merecia aquilo, mas pronto", exprimiu.
As pazes com o passado
Depois de saber o que é a maternidade - Marisa Cruz é mãe de João e Diogo - e depois de recorrer a ajuda médica, já consegue "ver as coisas de maneira diferente".
"Hoje, depois de ser mãe, depois de muita terapia, acredito que foi uma fase muito complicada dela e que ela fez o melhor que conseguia, mas durante muito tempo eu culpei-a por me expor a situações que nenhuma criança merece estar. Mas não há mães perfeitas, não há filhas perfeitas e tenho pena que também ela tenha passado por isso, mas consigo perceber", esclareceu.
A atriz confessou que estas vivências a condicionaram "no trabalho, nas relações", mas "com ajuda, com terapia", percebeu que há traços da sua personalidade que advêm daí: "Se calhar vêm desse afastamento com a minha mãe e da falta de pai, e agora já consigo ver as coisas de maneira diferente".
